Por Alex Barros. 08/01/2024
@aprendadatascience
@ealexbarros

Inteligência Artificial irá afetar o trabalho dos Juízes, alerta presidente da Suprema Corte dos EUA

Em carta anual sobre os desafios do poder judiciário nos EUA o presidente da Suprema Corte ressaltou os desafios relacionados a utilização de Inteligência Artificial

Todos os anos o presidente da Suprema Corte dos EUA escreve uma carta (report) sobre os desafios do Poder Judiciário para o ano seguinte. E o tema da carta desse ano foi: Inteligência Artificial, e sobre como de alguma maneira os juízes podem se tornar obsoletos. Ele afirma que ainda não são, mas está confiante que as mudanças tecnológicas irão continuar a transformar o trabalho.

Para ler o relatório/carta na integra, acesse o link: https://www.supremecourt.gov/publicinfo/year-end/2023year-endreport.pdf

Abaixo, segue minha tradução com alguns comentários.

John G. Roberts Jr. chefe do poder judiciário desde 2005 começa a carta mencionando que "Ás vezes, a chegada de uma nova tecnologia pode mudar dramaticamente a vida e o trabalho para melhor" e exemplifica como a vida mudou desde a invenção da eletricidade um século atrás.

Evolução tecnológica do Sistema de Justiça

O Poder Judiciário americano conseguiu fornecer computadores pessoais para todas as secretarias dos juízes já em 1989. Naquela época poucos teriam previsto a conversa onipresente nos dias de hoje sobre quando e quais profissões serão substituídas por computadores, inclusive os advogados.

A carta faz uma retrospectiva de todo o aparato tecnológico que foi sendo utilizado pelo poder judiciário década após década, desde a caneta tinteiro e fotocópias em papel carbono até as audiências remotas devido a COVID-19. Chegando finalmente a última fronteira tecnológica, a Inteligência Artificial.

A Inteligência Artificial combina algoritmos e uma quantidade enorme de dados para resolver problemas. Com muitas aplicações e formas pode incluir a utilização de reconhecimento facial para desbloquear os smartphones e o reconhecimento de voz para comandar TVs ou som.

Os modelos recentes de IA são capazes de serem aprovados em exames de direito, medicina e entrar na faculdade. Algumas atividades jurídicas como a pesquisa por fundamentação legal ou precedentes começa a se tornar inimaginável sem IA.

IA pode ajudar no Acesso à Justiça

Nesse aspecto o seu uso pode aumentar muito o acesso à justiça e a celeridade de um processo, permitindo que qualquer pessoa tenha acesso mais simplificado ao conhecimento jurídico, em especial aos litigantes com menos recursos financeiros.

No Brasil, precisamos repensar a exigência de advogado para iniciar determinados processos jurídicos, ou com o uso de IA os honorários poderão cair e novos tipos de serviços surgirão nos escritórios mais modernos.

Na carta, John Roberts menciona que as novas ferramentas podem responder perguntas básicas, gerar modelos de documentos e orientar como preenche-los e orientar todo o processo até a audiência na corte. Tudo isso sem sair de casa, e destaca que esse tipo de recurso têm o potencial bem-vindo de atenuar qualquer incompatibilidade entre os recursos disponíveis e as necessidades urgentes do nosso sistema judicial.

"Mas qualquer uso de IA deve ser feito com cuidado e humildade."

O perigo das alucinações e os vieses

Alguns advogados já tiveram problemas com citações geradas sobre casos e precedentes que nunca existiram. A própria inserção de dados confidenciais em modelos de linguagem "públicos" pode comprometer tentativas futuras de uso dessas ferramentas. No Brasil, até juízes já tiveram suas sentenças comprometidas com as alucinações dos modelos de IA. O caso será investigado pelo CNJ[1].

Nos casos criminais, o uso de IA tem trazido preocupações com potencias vieses de justiça em previsões de reincidência e decisões discricionários dos juízes. Aparentemente os juízes são mais justos ou mais esperançosos que as máquinas.

No jogos de tênis, como no US Open, os juízes de linha foram substituídos por tecnologia óptica para determina se uma bola em alta velocidade caiu dentro ou fora. Por outro lado, as determinações legais envolvem áreas cinzas que precisam do julgamento humano. Meu ponto de vista é que ainda não estamos prontos para a desumanização da justiça.

No Brasil, o uso desses recursos já chegou até ao legislativo com leis escritas por IA aprovadas na câmara dos vereadores [2].

Aspectos sociais e comportamentais durante um julgamento

Os juízes ainda são capazes de medir a sinceridade dos acusados, muita coisa pode depender de uma mão trêmula, de uma voz trêmula, de uma mudança de inflexão, de uma gota de suor, de um momento de hesitação, de uma pausa fugaz no contato visual.

A justiça serve aos seres humanos, ao povo. E maioria das pessoas ainda confia mais nos humanos do que nas máquinas para realizar inferências ou ter percepções sobre a verdade ou mentira durante um julgamento.

Nesse réveillon a Justiça Estadual do Rio de Janeiro começou a testar a identificação de criminosos procurados através do reconhecimento facial. O sucesso dessa tecnologia depende de um banco de dados atualizado, mas será que conseguimos garantir isso? [3]

Novas fronteiras da Justiça

Uma das regras federais do processo civil dos EUA orienta as partes e os tribunais a buscarem a resolução “justa, rápida e barata” dos casos. Não temos dúvidas que as aplicações de IA ajudam o sistema judicial a alcançar esses objetivos, porém começamos a pensar em como a lei deve evoluir em novas áreas, como a administração dos tribunais e a gestão de casos, a segurança cibernética e as regras de prática e procedimento. O Chefe da Suprema Corte americana prevê que juízes humanos existirão por um tempo. Mas indica com igual confiança que o trabalho judicial – especialmente a nível de julgamento – será significativamente afetado pela IA. Essas mudanças envolverão não apenas a forma como os juízes realizam o seu trabalho, mas também a forma como compreendem o papel que a IA desempenha nos casos que lhes são apresentados. Destaca também que os profissionais de sistemas de informação qualificados e dedicados desempenham um papel indispensável para manter o poder judicial em funcionamento. A sentença ou súmula não é suficiente para manter um tribunal funcionando, os tecnólogos fazem com que o todo o escritório funcione, desde a área de segurança cibernética até o pessoal de helpdesk com sua assistência urgente e essencial.

Fico feliz que ao final os trabalhadores da área de TI foram lembrados, afinal somos fundamentais para colocar em produção e manter funcionando esses sistemas de IA que estão transformando a Justiça. Não estamos ficando pra trás aqui no Brasil e o STF também vem liderando ações nessa área. [4]

Seguimos acompanhando e observando o que nos espera em 2024.

[1] - https://www.conjur.com.br/2023-nov-12/cnj-vai-investigar-juiz-que-usou-tese-inventada-pelo-chatgpt-para-escrever-decisao/

[2] - https://olhardigital.com.br/2023/11/30/pro/lei-escrita-por-chatgpt-e-aprovada-por-vereadores-em-poa-e-causa-polemica/

[3]- https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/01/04/mulher-identificada-pelo-sistema-de-reconhecimento-facial-em-copacabana-e-liberada-apos-ser-constatado-que-mandado-de-prisao-estava-no-sistema-por-erro.ghtml]

[4] - https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=522767&ori=1